quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

E agora, quem vai defender o Lula?



Tenho lido neste espaço livre do Correio do Estado as mais diversificadas opiniões políticas, mas nenhuma tão brilhantemente apaixonada como a do advogado Osvaldo Barbosa de Almeida sobre a nulidade do governo Lula, no seu artigo “Quem não se comunica...!”, publicado na edição do último sábado. O articulista chega à fria constatação de que os oito anos de governo passado foram simplesmente um zero à esquerda, tese que, com números assustadores procura demonstrar para que não reste a menor dúvida sobre sua incontestável demonstração.
Não pretendo polemizar a exatidão desses dados tão precisos, até porque não quero engrossar o caldo ralo daqueles que, na hegemonia da verdade e do conhecimento humano, acreditam em mitos e carismas e creditam a popularidade do presidente Lula à pretensa estupidez do povo brasileiro. Não comungo dessa idéia preconceituosa de que o eleitor é despreparado e que o povo foi imbecilizado pelo populismo. Se quase noventa por cento da população brasileira aprovaram o governo do Lula, certamente, não foi somente por seu discurso. Longo e enfadonho, por sinal.
Quanto ao seu antecessor, o FHC, foi inegável sua participação na consolidação do projeto democrático e na estabilidade da economia e teria sido muito mais útil para o Brasil não fosse a sua política de privatização indiscriminada, baseada no modelo superado da Margareth Thatcher, que frustrou na Inglaterra. A abertura da economia, na mesma época aplicada por outras nações, dispensaria medidas como a extinção dos monopólios. A telefonia, por exemplo, poderia ser explorada também pela iniciativa privada, como vem sendo, sem necessariamente desestatizar a Embratel. A argumentação de que o avanço tecnológico na área de comunicação deu-se por causa da privatização é, no mínimo, improvisada. Não fosse a desestatização teríamos telefone fixo e celular do mesmo jeito que temos hoje. Países que mantiveram o controle do serviço oferecem telefonia de melhor qualidade que o nosso e por um custo bem menos oneroso ao usuário. As estatais saneadas tomariam o lugar das vulneráveis agências reguladoras que, desde sua criação, atuam como braço direito das concessionárias. O problema era de gestão e não de modelo..
Poderia citar inúmeros casos que, por si só, desfazem a falácia do sucesso das privatizações, mas fico na CEMIG. A voraz voluptuosidade privateira do governo tucano alcançou a empresa mineira. Itamar Franco, criador do FHC, assumiu o governo do Estado e a desprivatizou. Em franca expansão, hoje a Companhia Energética de Minas Gerais é uma holding composta de 58 empresas e 10 consórcios, com ativos e negócios em 19 estados brasileiros e no Distrito Federal e também no Chile.
Sem mais delongas, vou ficar em Mato Grosso do Sul, onde a privatização do FHC causou estragos irreparáveis a curto, médio e longo prazo. A Enersul, única empresa pública lucrativa do Estado foi doada a um grupo português pela mixaria de R$ 350 milhões. E o que esta transação questionável significou em benefício ao usuário e ao Estado? Transferida para uma empresa americana insolvente a Noroeste do Brasil foi criminosamente desmontada, suas estações históricas desativadas, o trem do Pantanal tirado de circulação e máquinas, locomotivas e vagões carcomidos pela ferrugem. Alguém já parou para contabilizar o tamanho desse prejuízo para o Estado e para a nação?
Na outra ponta, por absoluta falta de tempo hábil, escapou à sanha privadista, a Sanesul,  empresa pública de saneamento que, de lá pra cá, como todo investimento (público ou privado) passou por dificuldades, cresceu e hoje é a terceira companhia brasileira na área, mesmo com a exclusão de Campo Grande que privatizou a sua empresa de água e não acrescentou nada que possa ser comparado ao sucesso da remanescente, tanto em expansão como em qualidade.
Aí vem a clássica pergunta: se as privatizações foram nocivas para o Estado por que o Lula as manteve? Porque foram contratos firmados pelo Brasil que, bem ou mal, devem ser respeitados a qualquer custo. O Brasil não é a Bolívia. Os investidores, principalmente os estrangeiros, não podem pagar pela imprevidência de governantes irresponsáveis. O Lula teve a lucidez de interromper o processo de entreguismo, que deveria alcançar a Eletrobrás, Petrobrás, Correios, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, universidades, saúde e até a previdência social, segundo a doutrina do estado mínimo da cartilha do laissez-faire, tão obedientemente assimilada pelos tucanos e seus parceiros do antigo Partido da Frente Liberal. E o fez seguindo a tendência internacional de abertura de mercados, elevando o Brasil à condição de oitava economia do mundo.
Por fim, errando e acertando, os governos democráticos, cada um no seu tempo, todos eles foram fundamentais para a reconstrução da cidadania amesquinhada por quase um quarto de século de ditadura militar e o respeito do Brasil no contexto internacional como nação livre. Isso é o que mais importa e o que mais incomoda aqueles que não se conformam com a democracia.

SERGIO CRUZ, JORNALISTA 

Artigo publicado hoje no Correio do Estado (página 2)








Nenhum comentário:

Postar um comentário