sábado, 8 de janeiro de 2011

Crônica da Semana

DESQUERENDO

Tudo que eu quero neste ano novo é o polvo abraçando o mundo com seus tentáculos, o espetáculo de aves vivas em cada amanhecer, o bem-querer de todos os inocentes, o comovente abraço do irmão que volta, a revolta calada dos injustiçados, o passado recente dos afortunados, o agrado plangente do velho cantante, o cortante pungente da lição de moral, o fatal inclemente das horas amargas, a carga pesada no ombro do forte, a sorte grande na mão do pequeno, o sereno frugal das manhãs de agosto, o gosto acre da tangerina, a buzina estridente da vuvuzela, a panela cheia de farofa e fartura, a quentura do sorriso de um enfermo, o termo de todas as maldades insanas, a fama dos heróis contrafeitos, o sujeito das orações subordinadas substantivas, a missiva extraviada pela saudade, a saúde agastada pela idade, a cidade assolada pelos ladrões, os milhões devorados pela ferrugem, a penugem flácida da fauna extinguível, o perecível sereno da erva daninha, do ninho o silvo da vida emergente, do crente a fé que move montanha, da sanha o clamor pelos infelizes, dos matizes a escolha da melhor cor, do calor o tempero agradável do clima, das enzimas a proteína para a vida eterna, na ternura dos bons a brandura dos maus, do caos irremediável o único remédio, do tédio insanável a festa fecunda, da rotunda panela o caldo da vida, da ferida aberta uma cicatriz, do nariz do palhaço o riso sem tréguas, da régua o traço infinito, do bonito as cores da primavera, da fera o gesto feraz, do incapaz o melhor resultado, do revoltado uma proposta de acordo, do gordo uma resposta ao regime, do crime o atalho ao perdão, da perdição o louvor de querer. Eu poderia querer ainda muito mais, mas é tudo o que quero.    

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