sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Crônica da Semana


RÉQUIEM PARA A VIDA ETERNA

Não vou morrer sem antes viver o meu primeiro século, secularizar toda minha fé, fecundar as flores de uma primavera, primaverar as chuvas do verão inteiro, inteiriçar a palidez de todos os rostos, arrostar o rasto da tirania, tirar de letra os restos de crueza, cruzar todos os sinais fechados, fichar o crime organizado, organizar o caos estabelecido, estabilizar de vez a economia, economizar palavra por palavra, lavrar a terra palmo a palmo, palmilhar até a mais longa distância, distanciar as questões difíceis, dificultar a ação de despejo, pejar o vazio dos espaços, espaçar os passos limitados, liminar os mais arrazoados, arrasar os menos razoáveis, raziar o território inimigo, inimizar o mínimo possível, possibilitar o máximo viável, viabilizar as vias de fato, fatiar o queijo e saciar os quejandos, queixar dos principais quesitos, requisitar a solução dos mais complexos conflitos, confluir os pontos mais remotos, remontar memórias removidas, remugir pragas recosidas, recorrer de sentenças inapeláveis, apelar pela intercessão de cada um dos santos, santigar os maus pressentimentos, pressagiar o cheiro da fortuna, afortunar os pobres de espírito, espiritar o crente para provar sua convicção, convir com a ordem- unida, uniformizar as ideologias exóticas, exortar minhas palavras de ordem, ordenhar as vacas do curral, encurralar o vírus inoculado, inocular o antídoto do veneno, venerar o verbo que se fez carne e habitou entre nós, noctiluzir a boca da noite, anoitecer as frustrações cotidianas, cotiar os heróis contrafeitos, contrafazer os discursos reprisados, represar as águas poluídas, polir a palidez do prélio, preluzir a eternidade, eternar a vida e, se possível, não morrer.

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